De repente, a realidade de três adolescentes do pequeno distrito de Azurita, em Mateus Leme, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, passou a ficar mais perto da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Depois de defender um projeto de ciências na Universidade de São Paulo (USP), alunos de uma escola pública têm a chance de concorrer a bolsas de estudos para uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior do mundo.
Num distrito com cerca de 5 mil habitantes, os adolescentes Cristopher Mateus Carvalho, Jaqueline Campos Costa e Júlia Maria Resende, de 15 anos, se tornaram verdadeiros heróis. “A cidade inteira está sabendo. Outro dia, um menininho até me pediu autógrafo”, conta Jaqueline, que se surpreendeu com o pedido, mas não hesitou em viver os momentos de fama.
O trabalho dessa turma foi comandado pela professora de biologia Fernanda Aires Guedes, de 25 anos, da Escola Estadual Manoel Antônio de Souza. Em dezembro de 2011, ela convidou os três para participar da pesquisa “Comprovação do potencial medicinal da planta pariri (Arrabidae chica) e suas aplicações químicas em produtos fitoterápicos”.
O pariri é uma planta medicinal difundida por toda a população de Mateus Leme, desde que houve um fato emblemático na cidade. Em 1995, um morador afirmou ter sido curado de leucemia depois de ter tomado o chá da folha.
Para comprovar o potencial medicinal da planta, os alunos foram, primeiramente, a campo para consultar pessoas que usavam a folha. Em seguida, realizaram a prospecção química, para descobrir as propriedades da planta, e aplicaram o extrato do vegetal em quatro placas de bactérias patogênicas (Salmonella, Lactobacillus, E.coli e Shigella). Ao final, produziram produtos fitoterápicos como pomada, sabonete e hidratante.
“Nós descobrimos a verdadeira fórmula do pariri”, afirma Júlia, listando suas propriedades fitoterápicas: “Serve como antimicrobiano, anti-inflamatório e cicatrizante. Funciona no tratamento de anemia, dores intestinais, hemorragia e diarreia sanguinolenta”.
E o mais importante: auxilia no tratamento de câncer. “Quando alguém faz quimioterapia ou radioterapia, sofre uma queda de hemácias. Ao tomar o chá, aumenta-se a hemoglobina no sangue”, explica Jaqueline.
A equipe de Azurita faturou cinco prêmios na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia, realizada na USP há 15 dias. E foi uma das quatro selecionadas para participar de um evento mundial, nos Estados Unidos, em maio deste ano. A Intel ISEF (International Science and Engineering Fair) é a maior feira para estudantes que ainda não chegaram ao nível universitário. Os melhores colocados ganham bolsas de estudos para ingressar na Universidade de Harvard.
“A gente ia ao laboratório de química pensando sempre em ver alguma substância explodindo. Agora, percebemos que a biologia e a química vão muito além”, diz Cristopher. Após a experiência do projeto, ele planeja seguir carreira na área. Jaqueline quer ser médica, e Júlia pretende cursar engenharia química.
A professora Fernanda ressalta que o projeto vai proporcionar uma mudança total na vida dos alunos. “Agora mesmo, eles irão começar as aulas de inglês para a apresentação nos EUA. São experiências que, talvez, jamais fossem vividas, pois são adolescentes carentes”.
Mãe de Jaqueline, Iara de Campos Lacerda, de 41 anos, completou apenas o ensino fundamental e está orgulhosa da conquista da filha. “Não é só gente de escola particular que pode. Eles mostraram que quem é de colégio público também vai longe com o estudo”.
O caminhoneiro Sebastião Ferreira, de 57 anos, comemora a viagem de Júlia para os EUA, mas descarta a ideia de a filha estudar lá. “Tem muito ladrão forte por aqui, mas o nosso Brasil também é muito bom. Ela vai ter que arrumar uma bolsa para estudar no país de origem”.
Fonte: Jornal S'Passo